Introdução.
Escândalos são noticiados cotidianamente pela imprensa envolvendo atitudes antiéticas de agentes públicos. A administração ineficaz dos recursos estatais é agravada por atos de corrupção, e decorrência de relações não saudáveis entre indivíduos e o Estado.
A busca pela satisfação de interesses exclusivamente privados intensifica a corrupção, sendo, dessa maneira, o comportamento oposto aos deveres da função pública. Pela corrupção, os órgãos públicos são utilizados para enriquecimento pessoal ou favorecimento de terceiro.
Destaca-se que os princípios que regem a Administração Pública devem subordinar toda a gestão estatal. O atendimento a tais princípios contribui para uma administração com mais responsabilidade, assumindo um papel preventivo no planejamento de suas ações e na orientação de suas condutas, tendo como objetivo o cumprimento da finalidade pública a que se destina. No entanto, apesar de um ordenamento jurídico que positivou, em sua Carta Magna, diversos princípios de relevante importância ao combate de ilicitudes por agentes públicos, essa previsão constitucional ainda não foi suficiente para promover um ambiente íntegro, e que favoreça uma estrutura sólida contra a corrupção na Administração Pública brasileira.
Além do exposto, uma das motivações para a elaboração deste artigo se deu por ocasião da “Operação Lava Jato”, pela qual diversos agentes da Petrobras foram condenados pela Justiça em decorrência de atos de desvio de recursos, sendo grande parte dos acusados integrantes de alto escalão da estatal petrolífera. No entanto, a estatal possuía um Código de Conduta desde o ano de
1998, o que demonstra que a mera existência de uma norma interna de Integridade não pode ser considerada suficiente para a prevenção de atos de corrupção.
Preliminarmente, associar o Compliance* à Administração Pública pode soar um tanto incomum, haja vista que, teoricamente, esse instituto teria sido criado com o objetivo de adequar as sociedades privadas à conformidade legislativa vigente. Contudo, a realidade brasileira exige mudança comportamental ante os atos de corrupção, seja por parte das sociedades privadas bem como dos órgãos estatais.
Entendemos que quaisquer atos ou ações que tenham por objetivo a promoção do combate à corrupção sejam realmente efetivos. Porém, devemos sim refletir sobre os efeitos de uma cultura de Compliance na Administração Pública.
Uma cultura que valorize somente as normas necessita ser sopesada pela ideia de resultados, pelo princípio constitucional da eficiência, sob risco de um excesso de formalismo no âmbito público e seu eventual “engessamento” da atuação estatal.
A aplicação de um programa de integridade não deve fazer com que o Estado não atinja seus objetivos, ao negar benefícios unicamente por um acúmulo de procedimentos e regras. Portanto, apenas adotar uma cultura de Compliance, simplesmente com o intuito de criação de controles do cumprimento legal não parece ser suficiente para elevar o grau de eficiência do Estado – ou seja, corre-se o risco de, com a adoção dessas práticas, tornar a atuação pública ainda mais burocrática, redundando, assim, em sérios entraves ao Estado.
A título de exemplo dessa aplicação do Compliance sem a necessária preocupação de sua
efetividade, concebamos que um município da federação adquira um automóvel para atendimento
de serviços hospitalares, seguindo, nesse processo de obtenção, todos os certames licitatórios
existentes. Entretanto, depois de comprado, o respectivo automóvel fica guardado na garagem da
Secretaria de Saúde, sem uso, pois não foram atendidas as demais regras trazidas pelo respectivo
programa de Compliance do Estado. Cumpriu-se a lei, o município foi aderente, mas a finalidade
do gasto, a efetividade, a economicidade, poderiam ser comprometidas mesmo assim.*
Ademais, como assevera Edimur Ferreira de Faria (2019, p. 162-163), a população vem
reiterando de maneira ordenada a sua insatisfação com a Administração estatal, exigindo políticas
públicas que atuem no combate à corrupção, à improbidade administrativa, ao prejuízo ao erário,
entre outras ações que sejam pautadas na transparência. Esse autor complementa que a concretização
de preceitos fundamentais elencados na Constituição de 1988 somente será efetiva com a prática
de uma governança* pública que observe processos de Compliance e de Accountability*, pois, sem
esses processos ou métodos de controle, a corrupção pode se alastrar.
Nessa lógica, o presente trabalho tem como um de seus principais desígnios a demonstração do crescimento das normas de integridade no ordenamento jurídico brasileiro, a análise da importância do Compliance face à realidade pátria e a efetiva aplicação do Compliance na Administração Pública. Para tanto, buscaremos compreender os efeitos do Compliance em nível internacional e nacional, mediante a análise de normas que prezam pela integridade de seus receptores. Ademais, passaremos pelo balanço de cinco anos da sanção da Lei Anticorrupção brasileira, uma das principais normas locais que abordam a temática.
Leia a íntegra desse artigo no site https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/37656
- Este termo tem origem no verbo de língua inglesa to comply, que significa agir de acordo com uma regra, instrução ou comando, sendo mais bem aprofundado no item 4 do presente artigo.
- Vale destacar que a ineficiência contribui mais ainda para o desperdício de recursos públicos que a corrupção. Isto é, não que a corrupção não seja importante, mas, neste caso, são dois fatores: ineficiência e corrupção.
- Aqui definido como a estrutura pelo qual as organizações dirigem e monitoram suas administrações.
- Termo da língua inglesa que pode ser traduzido e entendido como prestação ou rendimento de contas, devendo ser realizada, preferencialmente, de modo tempestivo, compreensivo e ético.