Licitações públicas sustentáveis: vinculação ou discricionariedade do administrador?
Neste trabalho buscamos analisar, a partir do ordenamento jurídico brasileiro vigente, a possibilidade de se realizarem licitações públicas sustentáveis em todos os níveis da administração pública. Para isso, foram sistematicamente examinadas a Constituição Federal, as Leis nº 8.666/1993 e nº 12.305/2010, bem como o contexto histórico da preocupação mundial com o chamado desenvolvimento sustentável. Assumindo que o princípio da sustentabilidade deve nortear as ações da administração pública, visto que se impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A sustentabilidade ambiental deve ser elemento de qualificação de toda e qualquer proposta recebida pela administração em licitações públicas, de modo que a proposta mais vantajosa homologada pelos processos licitatórios somente seja aquela que respeitar as normas de preservação ambiental.

1. Introdução

A preocupação ambiental vem crescendo a cada dia. O aquecimento glo- bal, a irregularidade de chuvas, a poluição do ar e das águas, o desmatamento acelerado e todos os infortúnios causados por esses fenômenos, como inundações, deslizamentos de terras, racionamento de água e energia, doenças respiratórias e temperaturas extremas, têm tomado conta dos noticiários em todo o planeta e trazido à tona a discussão sobre os problemas ambientais atuais, principalmente quanto às formas de produção e consumo.
Desde a Revolução Industrial na Inglaterra, no século XVIII, quando o modo de produção mudou radicalmente, a natureza está sofrendo com a intensificação da degradação. Até então, a produção era manufaturada e em pequena escala, por isso havia menos extração de matéria-prima da natureza e o consumo era limitado.
Após a Revolução, a produção industrial se intensificou e, com ela, a degradação ambiental, já que os recursos naturais eram cada vez mais utilizados e os resíduos eram devolvidos para a natureza sem o devido tratamento, poluindo e contaminando, assim, ar, água e solo. Com o passar do tempo, outros países se desenvolveram e passaram a produzir em escala industrial; logo, os danos ambientais aumentaram.
Para piorar, após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, os Estados Unidos da América precisavam recuperar sua economia; por isso, o governo incentivou o consumo com base no slogan do modo americano de se viver (American way of life): consumir bastante para ser feliz. Isso, de fato, ajudou a
movimentar a economia, pois havia uma maior demanda por produtos, o que levou as indústrias a contratarem mais funcionários para produzirem mais, atendendo, assim, a necessidade dos consumidores e gerando mais renda para a população.
Com a globalização, esse modelo de vida, de consumo e desperdício em excesso disseminou-se pelos países desenvolvidos e trouxe mais prejuízos ambientais. Cada vez mais, extraía-se matéria-prima da natureza sem que esta tivesse tempo hábil para se regenerar. Além disso, muitos recursos naturais
tornaram-se inutilizados devido à poluição e à degradação.
Ao longo dos anos, o dano ambiental foi aumentando e, para tentar mudar esse cenário, especialistas intensificaram os alertas sobre as consequências negativas dessa destruição, como aquecimento global e falta de água. Assim, em 1972, foi realizada em Estocolmo, na Suécia, a primeira conferência
mundial sobre meio ambiente, com o intuito de mostrar que a natureza não era uma fonte inesgotável de recursos e que a mudança de comportamento deveria se dar em nível mundial.
Foi então que surgiu o termo sustentabilidade, bem definido no Princípio 2º da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano:
Os recursos naturais da Terra, incluindo o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e, especialmente as amostras representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, através de planejamento ou gestão cuidadosa, como
apropriado.*
Considerando que o ritmo de destruição continuava acelerado, na década de 1980 foi criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, chefiada pela médica e ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, com a função de analisar os riscos ambientais e o cresci-
mento econômico.* O resultado desse trabalho foi o documento Nosso futuro comum, que alertou para a necessidade de se levar a sério “o risco ambiental do crescimento econômico”.*
Em decorrência dos alertas emitidos pelos ambientalistas até então, em 1992, o Rio de Janeiro sediou a Cúpula da Terra, conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre meio ambiente e desenvolvimento, conhecida como ECO-92. Entre os diversos documentos originados desse evento,
destaca-se a Agenda 21, que tinha como principal objetivo: “capacitar todas as pessoas a atingir meios sustentáveis de subsistência, devendo ser um fator de integração que permita às políticas abordar simultaneamente questões de desenvolvimento, de manejo sustentável dos recursos e de erradicação da pobreza”, tornando a sociedade mais justa ambiental e socialmente.*
Apesar de todas as conferências da ONU, como as citadas, e dos relatórios divulgados por organizações não governamentais sobre o tema, a degradação continuou acelerada, principalmente devido ao consumo desenfreado, grave consequência do planejamento estratégico das empresas que, para sobreviver no sistema, buscam o lucro a qualquer custo, produzindo em ritmo muitas vezes superior à capacidade de regeneração dos recursos naturais utilizados como matéria-prima. Nessa linha, a escritora sul-africana Nadine Gordimer foi muito clara e objetiva ao descrever, em sua carta para as futuras gerações, as consequências ambientais e sociais do consumo descomedido:
O consumo descontrolado no mundo desenvolvido erodiu os recursos renováveis, a exemplo dos combustíveis fósseis, florestas e áreas de pesca, poluiu o ambiente local e global e se curvou à promoção da necessidade de exibir conspicuamente o que se tem, em lugar de atender às necessidades legítimas da vida. Enquanto aqueles de nós que fizeram parte dessas imensas gerações de consumidores precisam consumir menos, para mais de 1 bilhão das pessoas consumir mais é uma questão de vida ou morte e um direito básico — o direito de ser livre da carestia. [tradução livre]*
Atualmente, um dos temas mais discutidos pelo mundo todo é o desenvolvimento sustentável, que alia o desenvolvimento econômico à preservação ambiental. Contudo, como “uma economia de base industrial estará sempre beirando a insustentabilidade”,* aliar desenvolvimento econômico à pre-
servação ambiental é uma tarefa difícil, principalmente porque há países em desenvolvimento que visam crescer a qualquer custo. Por isso, as várias conferências internacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento tentam conciliar os interesses de países desenvolvidos, países subdesenvolvidos ou
em desenvolvimento e ambientalistas.

Leia o artigo completo no site https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/68743

  1. ONU. Princípio 2º da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano.
  2. ONU. A ONU e o meio ambiente. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014.
  3. ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Desenvolvimento sustentável: uma perspectiva econômico-ecológica. Revista Estudos Avançados, v. 26, n. 74, p. 65-92, 2012. p.70.
  4. ONU. Agenda 21. Item 3.4. Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2014.
  5. GORDIMER, Nadine. A face humana da globalização. In: MAYOR, Federico (Sel. e comp.). Letters to future generations. Paris: Unesco, 1999. Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2014