Da Lei Geral de Licitações ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas: um estudo sobre a modalidade e contratação integrada
Em consequência da constante morosidade inerente às licitações públicas na modalidade concorrência, em decorrência de sua enorme burocracia, o Governo Federal, por força dos eventos esportivos a serem realizados no Brasil entre 2014 e 2016, procurou flexibilizar a Lei Geral de Licitações e gerar celeridade nas contratações de obras necessárias à promoção desses eventos esportivos. Criou-se, assim, pela Lei nº12.462/2011, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Nosso objetivo, neste trabalho, é analisar alguns pontos críticos do RDC desde a sua confecção original, por meio da Medida Provisória nº 527/2011, até seus preceitos normativos inovadores e, a nosso ver, temerários, quais sejam, a contratação integrada e o sigilo orçamentário constantes da nova Lei, abordando a importância do poder-dever da Administração Pública no ato de fiscalizar.

Introdução

Temos, como objeto de estudo principal deste trabalho, a análise do processo de contratação e o gerenciamento de obras e serviços de engenharia do setor público, previstos na Lei nº 12.462/2011, que criou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), objeto da conversão da Medida Provisória nº 527/2011.
Essa nova legislação teve por finalidade tornar o procedimento licitatório da concorrência mais célere, em consonância com a busca pela eficiência e economicidade, de modo a obter mais vantagens à Administração Pública. Nosso objetivo, portanto, é destacar as principais inovações desse novo regime de licitações públicas para evidenciar algumas críticas e polêmicas relacionadas com o RDC.
Este artigo está dividido em quatro partes. A primeira destina-se a tratar da Lei nº 8.666/93, Lei Geral de Licitações e Contratos, abordando de maneira concisa a sua relevância desde a época de sua edição e os motivos que desencadearam a neces sidade de o legislador buscar alternativas de aprimoramento. Na segunda parte há uma reflexão a respeito do vício formal presente na inclusão da emenda parlamentar para a aprovação do RDC sem pertinência temática com a proposta inicialmente encaminhada pelo Poder Executivo, e suas inconstitucionalidades formais, como a ausência dos requisitos de urgência e relevância para sua criação por meio de medida provisória, o que caracteriza abuso do poder de emendar
Na terceira e quarta partes serão discutidos os dois pontos mais críticos do RDC, a contratação integrada e o sigilo orçamentário.
A contratação integrada consiste em um contrato para realização de obras e serviços de engenharia, em que o licitante é responsável por todo o processo do certame, a elaboração do projeto básico, sua execução e entrega final, baseando-se apenas em um anteprojeto apresentado pela Administração Pública. Procedimento este que contraria o princípio da isonomia, o que vai na contramão dos próprios objetivos da Lei do RDC , conforme seu art. 1º, § º, I e IV.*
Afinal, quando se permite que a própria pessoa, contratada para executar o objeto principal, o execute conforme um projeto básico apresentado por ela mesma e não pela Administração, até que ponto não haverá violação aos princípios da isonomia e da universalidade de competidores, já que essa modalidade licitatória não é realizada com base em um único e mesmo projeto para todos os concorrentes?
Essa questão, embora restrita ao RDC, torna-se ainda mais relevante porque tramita no Senado o Projeto de Lei nº 559/2013, que se aprovado revogará a Lei nº 8.666/1993 para se tornar a nova Lei Geral de Licitações, em cujo texto está prevista a ampliação da contratação integrada para todas as obras públicas do país, ignorando o que nos parece ser uma tremenda afronta aos princípios da isonomia e da universalidade de competidores. Ou seja, embora ainda restrita ao RDC, mas com chances de se tornar regra geral caso o PL nº 559 seja aprovado, tratamos aqui de uma modalidade licitatória que, a nosso ver, não condiz com o art. 37, XXI, da Constituição Federal, que prescreve expressamente a igualdade de condições a todos os concorrentes.
Além disso, há o poder-dever da Administração Pública quanto ao seu efetivo exercício fiscalizatório, primordial para a consecução dos fins de uma gestão pública eficiente, de forma a preservar a supremacia do interesse público que, no caso da contratação integrada prevista no RDC, é simplesmente entregue ao próprio executor do projeto. Seria adequado entregar a fiscalização pública da obra ao próprio particular, para que ele próprio fiscalize a si mesmo? Parece-nos que essa resposta,
ao contrário do que prevê o RDC, deveria ser respondida negativamente.
O último ponto do RDC a ser aqui abordado, o sigilo orçamentário, ainda que apresentado como um corolário do princípio da eficiência, parece não trazer os benefícios para os quais foi criado e, nesse sentido, por ineficiente, não só perde seu sentido como também se apresenta em total afronta ao princípio da publicidade.

  1. Art. 1º, §1º, I e IV, “O RDC tem por objetivos: I- ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; [...] IV – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.